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O mistério da estrela mais antiga que o universo

Medir a idade do universo não é uma tarefa simples e não conseguimos determinar com extrema exatidão, mas hoje já é sabido que o ponto inicial que desencadeou a grande expansão do Big Bang ocorreu há cerca de 13,7 bilhões de anos. Da mesma forma, conseguimos determinar a idade das estrelas do universo entendendo a forma como a evolução estelar ocorre com o passar dos bilhões de anos e conhecemos estrelas que vivem por meros milhões de anos e aquelas que podem ficar estáveis por bilhões, mas velho como o universo é, não faz sentido existir uma estrela mais antiga do que ele. E uma supergigante azul chamada de HD 140283 está desafiando a física quando sua idade foi calculada a ser superior à idade do próprio cosmos.

Na nossa concepção geral das coisas, sabemos que tudo possui um começo e o universo teve o dele, ocorrendo há 13,7 bilhões de anos na forma de uma grande expansão que os astrônomos chamam de Big Bang. Muita gente acaba confundindo a premissa da teoria que reina hoje para explicar a origem do cosmos, mas o que muitos não sabem que o próprio Big Bang não explica exatamente a origem de tudo, mas como o universo evoluiu a partir de uma fração de segundo quando o espaço começou a se inflacionar velozmente em todas as direções. E, para entender como os astrônomos chegaram na conclusão de que existe uma estrela mais velha do que o cosmos, temos que de fato voltar no tempo quando a expansão do universo já tinha evoluído o suficiente para diminuir a densidade geral e o elétrons pudessem orbitar os prótons.

Créditos: ESA/Hubble

Agora, imagine que toda a matéria do universo estava concentrada em um volume muito menor do que é hoje, logo não era tão fácil a formação de estrelas e as primeiras de fato só vieram a aparecer 400 milhões de anos depois que o Big Bang aconteceu, logo, tem algo errado em dizer que a estrela HD 140283, ou, como é popularmente conhecida como Matusalém, em referência a uma figura bíblica que teria vivido por 969 anos, ela é mais velha do que o próprio espaço e chega aos 14,46 bilhões de anos de idade. Vejam bem, mesmo nos momentos iniciais do universo, não tinha onde as estrelas nascerem, muitos menos os elementos que conhecemos hoje. Todo o espaço e a matéria dentro dele se resumia a uma singularidade minúscula, crescendo somente quando algo desencadeia a expansão crescente e acelerada do cosmos que vemos até hoje. Então, as condições do universo logo após o Big Bang não eram favoráveis a formação de qualquer estrela, tampouco antes dele acontecer e as primeiras estrelas só vieram a se formar após esse estágio primário do cosmos e a matéria precisava estar num espaço de maior volume para que as primeiras grandes nebulosas pudessem se aglutinar para formar as estrelas propriamente ditas.

No começo, o que tínhamos de elementos no universo era somente o hidrogênio e hélio, os dois elementos mais abundantes conhecidos e os mais simples também, onde a partir deles que as estrelas começam a fusão nuclear para formar elementos mais pesados como carbono, oxigênio, ferro e tudo o que você imaginar. É a pressão exercida no núcleo da estrela que cria os átomos desses elementos conhecidos e dos quais somos formados. Dessa forma, os astrônomos costumam dividir a linha do tempo das estrelas em três populações estelares, baseado no quanto de metais nas elas possuem. E assim, quando eu falo metais, é qualquer coisa que não seja hidrogênio e hélio, pois é basicamente assim que os astrônomos chamam os outros elementos mais pesados. A população 1 é o tipo de estrela rica em metais e o próprio Sol é um exemplo desse tipo estelar, ou seja, que não surgiram a partir do material primordial do universo, mas houve uma série de supernovas antes que lançaram elementos pesados para o espaço. A população 2 já é aquela que tende a não ter tantos elementos pesados, como oxigênio, carbono ou ferro, o que quer dizer são bem antigas e fazem parte de uma das primeiras gerações de estrelas do universo. Porém, as estrelas de população 3 ainda são puramente hipotéticas, mas elas certamente existiram em um determinado momento onde o universo não tinha nada além de hidrogênio, ou seja, elas eram pobres em metais.

Mas então, o que tudo isso tem a ver com HD 140283? Pois é, as análises espectrais dela indicam que tem poucos elementos pesados e isso indica que ela é muito velha. A estrela em si não tem tantos metais para entrar na população de 2, mas também os elementos não chegam a ser inexistentes para que ela seja encaixada na hipotética população 3. Então, há algo de errado nesses mais de 14 bilhões de idade estimados para a estrela ou estamos errando completamente a idade do universo. Bom, provavelmente a primeira opção é a correta e você vai entender o motivo.

Primeiro você tem que entender que tudo que medimos nessa vida tem um nível de incerteza, não importa o que seja e se você está usando o melhor equipamento para medir. Existe sempre uma incerteza envolvida, por menor que ela seja. Porém, medir a idade de uma estrela não é uma tarefa fácil, principalmente considerando que HD 140283 está a mais de 200 anos-luz de distância. Por exemplo, a idade calculada do universo é exatamente 13,7 bilhões de anos, mas existe uma incerteza de 0,038 bilhão de anos para mais ou para menos. Isso dá 380 mil anos de incerteza, aproximadamente. Com a estrela, a incerteza é ainda maior, mas parece que muitos esquecem de falar sobre isso quando vão citar a idade da estrela, pois a incerteza dos 14,46 bilhões de anos de idade de Matusalém é de 0,8 bilhão de anos, ou, 800 milhões de anos para ficar mais fácil. Então, subtraindo 800 milhões de 14,46 bilhões de anos, temos uma idade de Matusalém pode ter 13,66 bilhões de anos, ou seja, considerando a margem de erro das medidas, estamos dentro do limite da idade do universo. Inclusive, HD 140283 já teve uma idade calculada de 16 bilhões de anos, mas os dados de maior qualidade foram abaixando isso ao longo do tempo e absolutamente nada impede de que a estrela de Matusalém tenha uma idade muito abaixo disso.

A verdade é que a idade estranha da estrela só mostra como precisamos mesmo de equipamentos cada vez mais sofisticados para entender melhor a idade de todos os objetos do universo. Por enquanto tudo não passa de mera imprecisão dos telescópios atuais, mas é questão de tempo para que essa precisão aumente e finalmente vamos entender a idade real dessa estrela e outras tão antigas quanto ela.

Alexsandro Mota

Nordestino, um grande amante da astronomia e divulgador científico há quase uma década. Sou o criador do projeto Mistérios do Espaço e dedico meu tempo a tornar a astronomia mais acessível.