Astrofísica,Galáxias

Vazio de Boötes e o maior vazio do universo

A ação da gravidade é uma das coisas mais expressivas do universo, considerando que conseguimos perceber sua presença em todos os lugares possíveis. Seja em órbitas planetárias, ou, na forma como as estrelas são agrupadas para formar as ilhas de luz que chamamos galáxias. Por sua vez, essas galáxias ainda são agrupadas em megas aglomerados com outras milhares galáxias reunidas pela gravidade. Porém, algo estranho está desafiando essa compreensão a cerca de 700 milhões de anos-luz de distância e está gerando a maior estrutura do universo observável.

Você já deve ter ouvido falar que não existe vácuo perfeito em nenhum lugar do universo, o que existe, na verdade, são regiões com muito pouca matéria por metro cúbico. E, mesmo estando distante de estrelas, até no espaço entre as galáxias, ainda poderemos ter a presença de partículas avulsas, campos gravitacionais e eletromagnéticos. Dessa forma, o conceito de vácuo perfeito não existe. Para você ter uma noção, estimativas dizem que essas regiões intergalácticas a presença de matéria está na casa de um átomo de hidrogênio por metro cúbico. Além disso, já observamos centenas de estrelas à deriva no espaço intergaláctico provavelmente expulsas de suas galáxias originais, além da presença de nuvens de gás rarefeitas e quase invisíveis aos nossos telescópios.

Nebulosa escura Barnard 68 para fins de ilustração. Créditos: ESO/HUBBLE

Porém, localizada a cerca de 700 milhões de anos-luz da Terra, existe uma região assustadora que é o mais próximo de um vácuo perfeito que podemos encontrar dentro do universo. Essa região é conhecida como o Grande Vazio ou Vazio Boötes, já que foi descoberto na direção da constelação que leva o mesmo nome. Para começar, se você estivesse localizada no centro desse vazio, o universo pareceria um local muito escuro com as galáxias ainda mais distantes e você não teria noção de que existiria outra além daquela que você está localizado. É uma região que se entende em 350 milhões de anos-luz de diâmetro e isso é tão, mas tão gigante que é equivalente à distância de Andrômeda hoje multiplicada por cerca de 140 vezes. Dessa forma, um possível planeta localizado por lá teria o céu noturno mais escuro de todos, sem quaisquer objetos fora de sua galáxia de origem para observar.

O Vazio de Boötes chega a ser mais amedrontador quando você ainda considera que em toda essa extensão de espaço vazio, os astrônomos só conseguiram observar apenas 60 galáxias. Para efeito de comparação, fora do grande vazio, dentro do superaglomerado de Virgem, onde está a Via Láctea, temos algo na ordem de 100 mil galáxias espalhadas por apenas 110 milhões de anos-luz e o número sobe cada vez mais quando vamos escalas ainda maiores. Considerando nosso histórico de observações, se a Via Láctea estivesse bem no centro, só iríamos descobrir outras galáxias em 1960, quando a tecnologia de telescópios já estivesse avançada o suficiente para observarmos objetos mais longínquos do universo. De qualquer forma, só pelo fato da vizinhança da Via Láctea conter algumas dezenas de galáxias em menos de 10 milhões de anos-luz, já dá pra notar que estamos lidando com uma região especial e que guarda muitos mistérios.

Desde sua descoberta em 1981, o vazio não tem uma explicação consolidada, mas sua origem pode estar relacionada à própria gravidade. Os modelos de computador sugerem que esses vazios começam por vários bem menores e são causados ​​pelas atrações gravitacionais mútuas de galáxias que se aproximam umas das outras. No final, isso faz com que as regiões vizinhas se esvaziem aos poucos e vira uma verdadeira bola de neve, formando aglomerados com milhares de galáxias e deixando para trás regiões completamente vazias. Acontece que essas regiões podem se encontrar e formar uma grande região pobre em galáxias como é o caso do Vazio de Boötes. Dessa forma, a existência desse grande vazio não é suficiente para anular nossa compreensão atual sobre como a matéria está distribuída através do espaço, já que é consequência da atração entre os campos gravitacionais das galáxias, formando imensos aglomerados e deixando para trás regiões que anteriormente estavam preenchidas.

Galáxia anã ESO 461-036. Créditos: NASA/ESA/HUBBLE

Por incrível que pareça, o vazio de Boötes não é o único do universo, apenas o maior. No universo observável, ainda existem outras regiões que podem ter quase nenhuma galáxia. Um exemplo interessante é o Vazio Local, localizado bem na borda externa do aglomerado onde está localizada a nossa galáxia. O interessante é que este vazio é bem menor que o Boötes, com cerca de 150 milhões de anos-luz de diâmetro e apenas uma galáxia anã chamada ESO 461-36 foi descoberta até então. No final das contas, o Vazio de Boötes é assustador por si só e é difícil imaginar uma região tão grande sem nada por ali. A gravidade demonstra que não está para brincadeira, além de evidenciar a vastidão imensa do universo e nos coloca em nossos devidos lugares. Ao mesmo tempo que ela nos prende aqui no chão, ela agrupa galáxias e cria imensos vazios.


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Alexsandro Mota

Nordestino, um grande amante da astronomia e divulgador científico há quase uma década. Sou o criador do projeto Mistérios do Espaço e dedico meu tempo a tornar a astronomia mais acessível.